Hatch da Fiat, substituto do Palio e do Punto, oferece o mesmo powertrain das versões de entrada do utilitário esportivo
Amintas Vidal* (Publicado no Diário do Comércio – Edição: 19/11/2021)
Sempre destacamos a importância do Argo no portfólio da Fiat. O modelo foi lançado ao mesmo tempo em que a montadora se reposicionava no mercado e tirava de linha diversos outros carros.
Coube ao hatch substituir o Palio e o Punto, na categoria de compactos e, ainda, segurar a falta de um modelo médio, no caso, o Bravo, que também teve sua produção descontinuada.
Neste turbilhão, enfrentando fortes concorrentes, ele nunca conseguiu retomar a liderança que o Palio perdeu em 2015 para o Chevrolet Onix. Lançado em meados de 2017, o Argo foi o 22° colocado neste primeiro ano, o 8° em 2018 e o 6° em 2019 e 2020.
Este ano, com a saída da Ford do nosso mercado e as paralisações por conta da crise dos semicondutores, o Argo está alcançando a tão almejada liderança entre os automóveis. Em outubro, com 8.381 emplacamentos, ele foi o veículo mais vendido no Brasil, superando todos os automóveis e comerciais leves ofertados.
No acumulado de 2021, registrando 73.795 unidades, o Argo é o líder entre os automóveis, seguido de perto pelo hatch Hyundai HB20 que conta com 72.989 emplacamentos. Porém, ambos estão atrás da picape Fiat Strada.
Contabilizando 91.514 unidades nestes dez meses, provavelmente, ela será o modelo mais vendido no País no fechamento deste ano, segundo dados fornecidos pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
O DC Auto recebeu o Argo Trekking 1.3, linha 2022, para avaliação. Há pouco mais de dois anos, nós avaliamos essa mesma versão. Na época, seu preço básico era R$ 59,99 mil. Agora, no site da montadora, ela é ofertada por R$ 78,99 mil, mas este valor só se aplica ao preto sólido, denominado Vulcano. As outras cores sólidas acrescem R$ 950,00 e, as metálicas e a branca perolizada, R$ 1,80 mil.
Além da cor vermelha sólida, a unidade avaliada estava equipada com o opcional Kit Trekking Full, no valor de R$ 6,99 mil.
Este pacote traz: câmera de ré; rodas em liga-leve de 15 polegadas; chave presencial Keyless entry’n’go; ar-condicionado digital e bancos revestidos em material sintético que imita o couro. Finalizando, seu preço é R$ 86,96 mil.
Equipamentos – Os principais equipamentos de série são: central multimídia Uconnect de 7 polegadas com Android Auto e Apple CarPlay; computador de bordo; quadro de instrumentos de 3,5 polegadas multifuncional; direção elétrica progressiva; retrovisores externos elétricos com sistema tilt down; travas elétricas; vidros elétricos dianteiros e traseiros com one touch e antiesmagamento e volante com comandos de rádio, telefone e regulagem em altura.
Em segurança, um pouco mais do que os equipamentos obrigatórios: ESC (controle de estabilidade); TC (controle de tração); ESS (sinalização de frenagem de emergência); airbag duplo; freios ABS com EBD; gancho universal para fixação cadeira criança (Isofix); faróis de neblina; Hill Holder (sistema auxiliar de partida em rampa); Lane Change (função auxiliar para acionamento das setas indicando trocas de faixa); sensor de estacionamento traseiro e sistema de monitoramento de pressão dos pneus.
Motor e Câmbio – O motor desta versão é o Firefly flex de 4 cilindros em linha com exatos 1.332 cc de capacidade. Sua alimentação é feita por injeção indireta multiponto e o seu cabeçote apresenta comando de válvulas simples tracionado por corrente com variação de abertura na admissão e na exaltação.
Com alta taxa de compressão, 13.2/1, seu torque máximo é de 14,2/13,7 kgmf às 3.500 rpm e a potência atinge 109/101cv às 6.250 rpm, sempre com etanol e gasolina, respectivamente. O câmbio é manual de cinco (5) velocidades com embreagem monodisco a seco.
Externamente, em relação ao ano 2019, o modelo 2022 do Argo Trekking se difere pela atualização da grade dianteira com a aplicação simples do logotipo (sem o escudo cromado com fundo vermelho que encapsulava essas mesmas letras) e uma pequena bandeira da Itália simulada sobre o antigo símbolo de quatro barras diagonais que a Fiat usava nos anos de 1990.
A Trekking traz os mesmos elementos de design de outra versão do modelo, a esportiva HGT. As molduras nas caixas de rodas, nas laterais, nas bases dos para-choques e a ponteira trapezoidal do escapamento são as mesmas. Teto, aerofólio e capas dos retrovisores pintados em preto completam as semelhanças.
O rack de teto, as rodas pintadas em na cor grafite e os adesivos alusivos à versão são exclusividades do aventureiro. Estes últimos tiveram os grafismos levemente modificados em relação aos aplicados na outra unidade avaliada.
Por dentro, a temática se repete. Todas as peças plásticas e os revestimentos são pretos, inclusive os do teto, colunas e bancos.
Variações de texturas, detalhes cromados e outros imitando alumínio fosco, assim com a faixa central do painel em cinza escuro, conferem qualidade aos acabamentos e alguma sofisticação ao interior. Todas as peças são injetadas em plástico rígido e têm construção e encaixes condizentes com a categoria.
Somente os apoios e encostos dos braços são revestidos com o mesmo material macio ao toque usado nos bancos, mesmo assim, apenas nas portas dianteiras. Costuras aparentes e a logomarca da versão bordada nos encostos dos bancos dianteiros arrematam os diferenciais internos do Argo Trekking.
Mudanças – Visual à parte, a versão recebeu alterações que melhoram sua capacidade para circular em pisos ruins. A suspensão foi elevada em 22 mm e os pneus de uso misto da marca Pirelli, modelo ATR 205/60 R15, são 18 mm mais altos, resultando em um ganho de 40 mm em relação à versão Drive 1.3, da qual se originou essa variante aventureira.
Novos conjuntos de amortecedores e molas e uma nova calibragem da assistência elétrica da direção são as outras modificações mecânicas feitas pela Fiat.
Tais mudanças resultaram em uma altura livre em relação ao solo de 210 mm. Este número declarado é interessante por dois motivos: primeiro, ele é 61 mm superior ao da versão Drive, 21 mm a mais que o ganho nas alterações de pneu e suspensão descritas acima.
Além disso, ele é 20 mm superior ao do Pulse, SUV compacto recém-lançado pela marca. Isto é, se o Pulse foi homologado como um SUV pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), o Argo Trekking também poderia ser, pois seus ângulos de entrada, central e saída são, respectivamente, 21°, 20°, 31,1°, suficientes para se enquadrarem às exigências do órgão regulamentador.
Suas outras dimensões são: 3,99 metros de comprimento; 2,52 metros de distância entre-eixos; 1,72 metro de largura (sem considerar os retrovisores) e 1,57 metro de altura. Seu porta-malas comporta 300 litros, o tanque de combustíveis 48 litros e sua capacidade de carga útil é de 400 kg.
O Argo acomoda bem quatro adultos com bom espaço as cabeças, ombros e pernas de todos. Como na maioria dos carros deste segmento, um ocupante no centro do banco traseiro fica mal acomodado, mas a distância entre-eixos é boa e o espaço para as pernas na parte de trás é um dos melhores entre os hatches compactos.
Mesmo regulados na posição mais baixa, os banco do Argo fica alto em todas as suas versões e, na Trekking, mais ainda. A ergonomia é boa, todos os comandos estão à mão e não exigem grandes deslocamentos dos braços para serem operados.
Ainda estranhamos dois pontos do projeto da família Argo/Cronos: os pedais ficam deslocados para a direita, desalinhando levemente braços e pernas do motorista. A alça da porta é muito avançada e volumosa, o que ajuda em seu fechamento, mas dificulta abrir, e pode incomodar as pernas de pessoas com maior estatura.
A visibilidade é apenas boa, pois como em todo carro moderno, as janelas são estreitas. Também atuais, as colunas são largas, criando pontos cegos maiores. O bom tamanho dos retrovisores, os sensores de estacionamento traseiro e a câmera de marcha à ré com ótima definição e guias dinâmicas amenizam essas limitações.
A direção é muito leve em manobras, mas se tornou menos direta com os pneus mais largos e altos. Em deslocamentos ela poderia ganhar peso mais progressivamente, pois ficaria mais confortável em velocidades intermediárias também.
O ar-condicionado automático digital é eficiente no resfriamento da cabine e na manutenção da temperatura. Seu volume de ventilação é bom, mas não existem saídas paras o banco traseiro, recurso que diminuiria o tempo para atingir a temperatura ajustada.
Assim como este sistema, outros equipamentos têm botões físicos giratórios para as funções principais e de pressão para as secundárias, arquitetura ideal. O multimídia apresentou facilidade no pareamento por bluetooth e no espelhamento usando o Adroid Auto.
A sensibilidade ao toque e a definição da tela são boas, atendendo à expectativa do segmento. Já seu tamanho, recursos e velocidade de processamento estão ficando para trás, principalmente, em relação aos novos sistemas da própria Stellantis que permitem espelhamento sem fio e contam com gerenciamento do carro via celular.
A maior surpresa foi a qualidade do som. Mesmo não sendo um sistema assinado por marca especializada, o equipamento entrega potência, equilíbrio e extensão entre graves e agudos, e não apresentou distorção, mesmo em volumes mais altos.
Inclusive, sua potência foi suficiente para reproduzir arquivos de aplicativos de streaming em volumes maiores, algo mais comum em equipamentos especiais.
Com as mudanças feitas, modelo se sai bem na terra e no asfalto
Em movimento, o Argo Trekking tem suas peculiaridades. Os pneus de uso misto casaram bem com o acerto mais rígido das suspensões elevadas. Ele inclina-se menos em curvas do que a versão Drive, apesar de ser mais alto. Mas seu conjunto oscila em uma frequência mais alta, transferindo algumas vibrações para o interior da cabine.
No asfalto, o carro parece fazer mais esforço ao se deslocar, resultado da maior área de contato com o piso e da aerodinâmica prejudicada pela altura da carroceria. Ele também se torna mais ruidoso, por ser essa uma característica destes pneus especiais e pela maior resistência ao ar provocada por todo o conjunto elevado.
Mas é sobre a terra que ele se mostra outro. Andando rápido, apesar de não entregar o mesmo conforto dos SUVs, ele passou por todas as irregularidades da estrada sem tocar o fundo e sem atingir o limite do curso das suspensões.
Os pneus mostraram muita aderência, mesmo sobre terra solta, e mantiveram o controle direcional nas mais diversas velocidades. Na cidade ele transpõe lombadas e valetas e acessa rampas de garagem sem encostar a parte debaixo da carroceria ou os para-choques.
Um motor muito elástico e um câmbio com relações mais curtas garantiram um bom desempenho à versão. O giro sobe muito rápido, mas seu alto limite, 6.250 rpm, prolonga as acelerações em cada marcha.
Isso não faz do Argo Trekking um esportivo, mas garante agilidade à versão e atende a uma direção responsável e segura. O ruído que invade a cabine nas altas rotações é um som mais grave, não estridente. O câmbio até tem engates precisos, mas o curso da alavanca é longo e sua movimentação muito amortecida, prejudicando as trocas mais rápidas.
Aos 110 km/h, e de quinta e última marcha, o motor trabalha às 3.250 rpm. Nessas condições, o carro não fica solto como deveria em uma velocidade de cruzeiro tão usual. Essa relação reduzida exige aceleração constante para o modelo não entrar em freio motor. Ideal seria uma sexta marcha alongada.
Consumo – Em nosso teste padronizado de consumo, o Argo Trekking se saiu relativamente melhor no circuito urbano, pois o uso de pneus de uso misto, a altura da carroceria e as curtas relações de marchas jogam contra a eficiência energética, principalmente, em velocidades superiores a 100 km/h.
No circuito rodoviário, realizamos duas voltas no percurso de 38,4 km, uma mantendo 90 km/h e, a outra, os 110 km/h, conduzindo economicamente. Na volta mais lenta atingimos 13,8 km/l e, na mais rápida, 12,0 km/l, sempre com etanol no tanque.
Em nosso circuito urbano de 6,3 km realizamos quatro voltas, totalizando 25,2 km. Simulamos 20 paradas em semáforos com tempos entre 5 e 50 segundos. Vencemos 152 metros entre o ponto mais alto e o mais baixo do acidentado percurso. O Argo Trekking finalizou o teste com 8,2 km/l, também com etanol.
O Argo Trekkig 1.3 é um hatch diferenciado, tanto em estética, quanto em sua capacidade de circular por vias precárias e estradas de terra entregando conforto de marcha. Consumo um pouco elevado é o preço que se paga. Porém, ele atende bem a quem precisa encarar pisos assim.
O problema da versão é doméstico. O Pulse com este mesmo conjunto de motor e câmbio chegou custando apenas R$ 1 mil a menos do que o Argo Trekking. Entre os dois, a escolha pelo hatch pode se dar pelo gosto do cliente por este tipo de carroceria.
Mas, em relação ao bolso, o Pulse traz mais equipamentos de série e tem um melhor custo benefício.
Fotos: Amintas Vidal
*Colaborador
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